sexta-feira, 3 de abril de 2009

Jack



Jack era um cachorrinho de rua que apareceu em meus 17 anos. Ainda filhote, branquinho, pêlo curto, olhos azuis. OLHOS AZUIS! Sempre o que eu quis em um filhote. Se pessoas com olhos azuis não me inspiram confiança, filhotes sim. Foi quando percebi que a minha desconfiança não era da cor dos olhos, mas das pessoas. O fato é que ele tinha olhos claros e eu ainda não sabia que todo bebê nasce assim, só mais tarde eles escurecem. É a temporalidade da pigmentação dos olhos. Lembro do profº. Ralt explicando.

O filhote foi crescendo num ambiente repleto de amor. O meu. Os irmãos o achavam “engraçadinho”, mas não o queriam. Era o sétimo cachorrinho tido concomitantemente. Eu prometera cuidar, alimentar, educar e limpar suas cacas. Então ele permaneceu crescendo em minha casa e em minha vida.

Na época eu fiz vestibular para Fisioterapia. Consegui a aprovação, mas estava no meio do 3º ano colegial. Não poderia cursar. Não queria cursar. Então segundo semestre daquele ano, chegava do colégio, abria o portão verde e Jack vinha correndo, já grandinho, com seus olhos ainda azuis. Era a confiança recém-chegada vindo ao meu encontro, todos os dias.

Mas um dia, Jack não correu. Meu longo olhar para o fim do corredor do portão verde não tinha fim. Assobiava e Jack não respondia. Foi quando vi uma das piores cenas da minha vida: Jack se arrastando com as duas patinhas da frente. As restantes, de trás, sendo arrastadas. E um sorriso estampado nos olhos de felicidade, a me ver. Ele sabia que eu poderia melhorar sua condição de enfermo. Ele sabia que eu havia passado para Fisioterapia. Quando a paralisia chegou, certamente pensou que eu o curaria.

Chorei, só me lembro disso. Ver alguém rastejando ao meu encontro é de partir o coração. E chorando contei aos meus pais. Eles se preocuparam, confio nisso. Digamos que Jack não era, apenas, prioridade deles. Era minha. Então decidi fazer sessões periódicas de fisioterapia em suas patas. Massageava-as três vezes ao dia. Tentava pô-lo de pé, segurando seu corpo, para andar. Compressas de água quente alternadas com de água fria. Às vezes andava, às vezes rastejava como se não houvesse patas traseiras.

Dias de tratamento seguiram. Uma semana após, o mesmo portão verde se abriu. O mesmo assobio. E veio Jack correndo ao meu encontro. Passou a cabeça em minhas pernas. Eu senti a analogia das minhas pernas com suas patas. Ele me agradecia por lhe devolver os movimentos. Por lhe devolver a vida.

No dia seguinte, Jack não correu em direção ao portão. Não correu em minha direção. Nunca mais confiei em olhos claros.

3 comentários:

  1. Não li "Marley e eu", mas duvido que seja melhor do que Jack e você.

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  2. Li de novo, ficou ótimo, cara.

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  3. Nossa... foi impossível não lembrar do Eevee Napoleon Tuti Kiko Totó Simba Alves Melo. Gostei muito Túlio... acho que ando sentimental demais... ando me emocionado com propagandas do governo e textos em blogs... rs... bricadeira, ficou muito bom mesmo. Tramas em que animais são personagens centrais e morrem no final me emocionam mais que tramas com pessoas que morrem no final. Não sei explicar o que sinto... um aperto... sei lá... são tão inocentes, tão ingênuos... não sabem o que é morte... mas morrem. Parabéns, Túlio... meu amigo escritor (inveja)

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