sexta-feira, 3 de abril de 2009
Barbie
Ela deveria ter uns 5 anos. Eu, 23. E que pensamentos eu tive por aquela criança. Ela permaneceu em meu sonho acordado durante todo um dia. Lamentava a situação, desejando jamais vê-la novamente. Naquela loja de brinquedos, a pequena menina foi forçada a crescer. Sentiu aquilo tomar seu espaço interior no corredor mais-sem-vendedor. Somente ela, o pai e eu. Vista a cena, ausentei-me. Coloquei à tona meu sentimento de condolências para desculpar meu estado apático.
-Filha, você quer ir ao banheiro antes do início do filme?
Silêncio... somente lábios imóveis. Bocas caladas. Olhares ansiosos. Vontade de ter Barbie. Desejo de ser Barbie. Lembra que a ânsia apareceu pela primeira vez quando a viu, vestida de noiva. Com 3 anos, não sabia nada de casamento. Nada de núpcias. Nada do que escondia aquele véu-e-grinalda. Porém, a menina nascera com a maternidade expressa no sonho. Queria aquela Barbie grávida. A vontade era de estar grávida.
-Filha, você quer ir ao banheiro antes do início do filme?
Pensava no tamanho da barriga. Na vida ali dentro. Imaginou-se gorda e estabeleceu comparações com um fictício estado gravídico. Ainda com 5 anos. Pequena e grávida. Pequena e barriguda.
-Filha, você quer ir ao banheiro antes do início do filme?
-Pai, me dá essa Barbie, por favor!
Ela não queria saber de filme. A criança crescera no mais oculto dos corredores da loja de brinquedos. De repente, tudo ficou tão pequeno pra ela. Tudo tão infantil. Tudo tão ultrapassado. Maquinava uma maquiagem bonita para conseguir bom casamento. Boa barriga.
-Pai, me dá essa Barbie, por favor!
Não houve Barbie. Não houve favor.
-Filha, presta atenção na pergunta que estou lhe fazendo. Concentre-se e a responda. Você quer ir ao banheiro antes do início do filme?
A menina de 6 anos não foi ao banheiro. Naquela noite, ela se despediu dos desenhos de cinema e da vontade de ter Barbie. O que ainda lhe resta é sê-la.
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Estranho, o que não deixa de ser bom.
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