sexta-feira, 3 de abril de 2009

Sexo no ônibus



Sempre ouvimos algum amigo contar estórias de ônibus. Lembra-se daquele ônibus mais asqueroso no qual esteve. Aquele mastro horizontal seboso. Disputado. Os mais altos ganham. Os pigmeus invejam. Queriam também molestar aquele cilindro. Na tão e sempre ida e vinda, pra frente e pra trás. Aquele oscilatório incansável. Prazer nada gozado. Apenas o lubrificado, apenas.

Ainda bem que nesse conto não há molestamento. Não há gozo. E não há prazer sequer. Ela não era bonita. Aliás, ela era feia. Bem feia. Não que ela deixasse de ter virtudes. Não disse isso. Só falei que ela era feia. E isso ela sabia fazer. E sua mãe sempre a elogiou: “Minha filha faz tudo tão bem”.

Parecia estar sozinha. Para início de texto, vamos acreditar que ela estava sozinha. O ônibus parou na rodoviária. Todos se levantaram. Eu me levantei à sua frente. E, com respeito dentro da normalidade, mantemos certa distância do próximo, mesmo sendo irmão na fé. Não ficamos encostando, passando a mão. O homem é um ser tão malicioso por natureza. Subconscientemente evitamos qualquer pensamento preconceituoso. Ela não.

A fila demorou a andar. Todos esperavam calmos. Cada um em seu quadrado. Sem contatos. Porém ela estava atrás de mim. E estávamos num ônibus sujo, velho, molhado. O mastro. O sebo. Nada nada romântico. Olhei pra trás. Ela era feia. Olhei de novo. Continuou feia. Não procurei o seu bom porque nesse momento, nesse lugar, não procuramos outra coisa senão beleza. A mulher ser bonita é o requisito necessário e único para receber uma cantada num ônibus. Eu disse, num ônibus.

Só que ela estava tão necessitada. De ser tocada talvez. Ou quem sabe estava com pressa e queria passar na frente de toda uma fila que queria descer daquele veículo. Não sei o que passava na cabeça da mulher, mas que ela encostava-se a mim, encostava-se. E muito. Muito mesmo. Aquele calor insuportável. O suor. O sebo. O nojo não por ser feia, mas por encostar-se a mim. Aquele desespero. Aquela necessidade de sexo ou fuga. Tantos aquilos me irritaram.

-Dá pra parar de encostar em mim, por favor. Tá calor, estamos suados. E essa pregação... Chega pra trás só um pouco porque você ta praticamente me abraçando por trás. E eu não gosto disso.

-Menino, se enxerga – completou com alguns resmungos.

-Eu, hein. Tá estranho essa pegação em mim. Calma que todo mundo vai descer.

Até aqui, vocês podem pensar que eu me acho ou coisa parecida. Mas não é. Ela pegava muito. Passava muito a mão em minhas costas. E era a mão. Eu sentia, por completo, desde o mindinho até o polegar opositor. Eu não estava delirando. E ela era feia. Não consegui enxergar sua virtude, já disse. E não queria procurar. Eu queria um banho.

-O que ta acontecendo aí? – uma voz grossa de namorado se vira pra mim.

-Olha, não to querendo confusão, mas a mão da sua namorada, acredito, ta encostando muito em mim. E eu não to gostando disso. – Sei que, no momento, a reclamação foi gay. Mas, porra, ela era muito feia! Está bem, vou parar de dizer isso... Digamos que ela só não fazia o meu tipo.

-Você ta estranhando minha namorada, é isso?

-Uhm, ao pé da letra, sim. Ela é estranha...

-Tá chamando minha namorada de estranha?

-Eu te conheço ou você me conhece? – perguntei a ele.

-Não, não te conheço e nem você me conhece.

-Então sim. Estou chamando sua namorada e você de estranhos. Não os conheço. Essa é a definição: quando duas pessoas não se conhecem, são estranhas.

Risos no ônibus. Na fila da frente e na fila de trás. Um bando de estranhos, rindo.

Ela esperou a fila de sua frente descer. Realmente, não era pressa. Sua mão, de fato, procurava as costas de um namorado. O sexo que lhe dera as costas naquele ônibus.

4 comentários:

  1. kkkkkk Muito massa! vc é a pessoa mais estranha e adorável que eu conheço!

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  2. Invejável, de verdade. Acredito que essa sua nova fase (a superar textos eternos e melancólicos) vai repercutir positivamente. Esse foi o primeiro que li, e como foi prometido vou ler mais os 200 que se seguem. O corrimão me lembrou a Adriely, que me lembrou Inhumas, que me lembrou férias... (suspiro de saudade)

    Parabéns!

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