terça-feira, 16 de novembro de 2010

Pequena confissão endereçada ao céu [ou aos planos, caso se perca]



Quando não se tem mais nada a perder, vem a publicação de algo guardado aqui dentro. É preciso ser forte. É preciso crescer.

Certo dia ela me assustou com a notícia de que havia pouco mais de mês para o Natal. Foi um desprazer provar sentimentos guardados no fundo de um baú sobre uma data que não é mais especial. Sem carrinho a deslizar chão afora. Não mais viagens. Sem qualquer algazarra entre irmãos. A distância se deu precocemente. Mas a dor é crônica e real. E pensar nos tantos planos feitos. Cuidados e presença até o fim de seu último cabelo branco. Sua ida em minha formatura em Medicina. Amor eterno. Amor incondicional. Amor confiável, aquilo que ninguém conseguiu suprir. Sabe quando nunca lhe destinaram o benefício da dúvida e, de repente, boom!? Só desconfiança. Só amor desconfiável. Só amor em condicional. Amor eterno-enquanto-dure. E o que a situação traz de pior é que diante a todos os planos, chego a duvidar daquela felicidade que não foi convidada.
Sou feliz apesar de. Porém, confesso momentos tristes que acumulam dias e noites. Mais noites, pra ser sincero. Porque durante os dias faço questão de esquecer que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira. Invento casos. Acumulo histórias não vividas. Mas sonhadas. Ao menos minha fantasia é por inteiro. Enquanto dura. E como é dura quando se recai em realidade! E guardo uma culpa, a maior. Aquela que se diz ausência e se traduz em carência. Contudo, alguns sonhos se perdem quando os planos chegam. É hora de ser homem adulto e fugir de casa, ainda que em alguns momentos eu chore feito criança. E, agora, licença, pois preciso salgar os olhos e fechar a vida por mais uma noite. Para isso, vou parar e esperar. Um dia o sono chega trazendo de volta a minha realidade inventada.

domingo, 25 de julho de 2010

Sobre o fim dos insetos interiores



O quarto
A vidraça não é mais aberta como em tempos de calor. Aqueles antigos tempos de insetos interiores. É frio. É úmido. A vista embaça nos olhares dos prédios ao lado. Sem pôr-do-sol, sem raios. Cenário de depressão. Cobertas, cama, travesseiro, com mente que constrói cena. Que mente. Que persegue mistérios. Sonhos não sonhados. Dias em que senti falta do toque de uma mão inteligente, de uma mente brilhando colorida enquanto me presenteia com um toque de cor nesse cenário preto-e-branco. Cenário de depressão.

A campainha
Ding-dong!

A sala
Eis a melhor parte de mim. A amizade sem limites, as conversas mais produtivas, os olhares mais lindos, a marquinha de nascença que está chegando ao fim. Sobre concordar e discordar, sobre querer proteger e querer matar (por orgulho). Abraços e invasões. Têm dias em que as noites são melhores, mas há noites que têm seus dias melhores. Não tenho mais mente que constrói cena. Verdade. Já não persegue mistérios. Sonhos são reais.
No fim, sei como tudo termina. A vida necessita de tempo. Quero confiar e ser confiado. E também quero outras coisas que, por agora, não vou lhe revelar exceto que quero tempo. Mais tempo com você. Mais tempo com a melhor parte de mim.
O quarto, a campainha, a sala... passei a limpo o tempo só pra ter certeza de que poderia sentir novamente. A melhor parte de mim, você é assim.

Re(am)paro



Seus ombros começaram ideais
secaram uma ou duas lágrimas
Mas as lágrimas aumentaram
mais e sempre

Mais lágrimas
Então eles já me eram pequenos
Pequenos e úmidos
Úmidos e salgados
E pequenos

Uma... duas... pare de contar!
lágrimas são incontáveis
são tristeza, choro, dor
Arde em ferida!

Eram os mesmos ombros
que agora me suportavam
em tentativas de reparo

Ombros grandes
grandes e secos
Secos e salgados
Sal de um suor que suava ao me amparar.

sábado, 10 de abril de 2010

A visita da cor



Outrora fui criticado por escrever textos preto-e-branco. Uma tal tecnologia de mil, milhões, ou até mais, para o grand finale ser uma guerra. Não estou falando de Oscar. Só estou dizendo que a arte imita a vida.
Parecia um trecho de Thomas Keneally. Algumas coisas em preto. Outras em branco. A cidade com seus muros, com seus passos, com suas conversas, com suas pressas. Em pernas. Para o alto, um balão. Carros... naquela cena, apenas os pretos e brancos. Era instigante como a vida resolvera se descolorir. A faixa na rua listrava pegadas rústicas de um homem de bigode com sua filha. Ela ia arrastada, deixando sua cabeça um pouco mais atrás, hipotônica. Não estava cabisbaixa. Seus olhos olhavam pra cima e pra baixo. Uma imagem terrível foi ver o que a menina não enxergava fixamente. Oscilava. Oscilava. Era tudo tão inconstante.
E naquele cenário pichado, um balão voava por entre os carros. Vermelho ia e vinha. Subia e descia. E a menina ia arrastada por braços fortes. Ela se martirizava não porque seu balão havia se soltado de sua mão e isso significava o fim, mas porque ela não vira o fim. Ele subia, ele descia. Vermelho ia, vermelho vinha. Era o último verbo que ela queria presenciar na ação de sua vida. O verbo “vir”. A esperança vermelha em seus braços novamente. A alegria de volta. Porém ela só tinha lágrimas, salgadas, que sozinhas secariam e deixariam um caminho enrugado no seu rosto, lembrando-lhe sempre a dar valor na felicidade, em teoria.
Era a minha vez de atravessar a rua, ainda fitando a última lágrima naquele rosto. Por entre as barracas de camelôs eu procurava meu carimbaço. Era engraçado um laser. Instigar pessoas para uma luz desconhecida. Fazer-se notado, sobretudo à noite. E lembrei os dezesseis natais que, quando criança-adolescente, sabia o presente que ganharia. E, na vigésima quarta noite do mês de dezembro, rasgava com voracidade o embrulho. E brincava dias, sempre. Era a alegria e também a surpresa. Sim, sobretudo surpresa. Paradoxalmente, surpresa. A consciência sempre me dizia: você é feliz, em teoria.
Mas aquela menina não está feliz, está angustiada. Seu balão vaga por aí. Nenhum carro sequer conseguiu estourá-lo. Ele sobe e desce ainda. Vai e volta ainda. E a menina sabe disso, mas seu pai, seu pai não sabe ou prefere não saber. A angústia para os adultos não passa de um ato animal de engolir a tristeza a fim de vomitá-la como normalidade.
E resolvi colocar a felicidade em prática. Sair na rua, à noite, carimbando as pessoas com meu laser. Cenário preto-e-branco novamente. Vida preto-e-branco. Vida barata. Vida preenchida por descolores. Somente o laser pra me enxergar o vermelho. Só estou falando que a vida imita a arte. Nada mais. E nada menos também.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Sonho



Minha irmã falava com meu pai sobre função renal, creatinina e critério de AKIN para Insuficiência Renal Aguda. Jamais estudara isso na escola. E, injustamente eu, não sabia de nada daquilo tudo. Na correria dos pensamentos houve uma morte. Um olhar, um sorriso, uma morte. Por que minha mãe sorriu pra mim quando sabia que me deixaria sozinho? Ela sentia o resquício do meu Complexo de Édipo e morrer, ali, diante dos meus olhos e estampando um sorriso amarelo na face, não me salvaria do sofrimento. Dos sonhos pesados.
Papai ouvia atentamente qualquer pensamento de minha irmã. Houve uma lógica: o médico errou! Minha mãe morreu. Sei lá se foi transferência freudiana, mas o médico foi o culpado. Isso me aliviou no sonho. Senti que respirei duas vezes com ela mudando de posição e colocando sua mão sobre meu tórax. Mais uma respiração e tudo se reaquietou.
Então minha irmã me contou sua teoria. Peguei meus mínimos conhecimentos de escola-pela-metade e fiz alguma coisa. Tais procedimentos jamais estudados. “Mamãe está viva”! – gritei. Vi outro sorriso em seu rosto. Ela só pediu pra falar baixo, pois precisava descansar.
Uma gata lá fora chamava seu gato para o acasalamento. Um miado infernal. Esses gatos tendem a me perseguir sempre, de fato. Só a Nena que me procura no cio, exclusivamente. Minhas mãos sobre seu seio. Um beijo, não visto, nas costas. Sentido. Um contato diferente de peles distintas. A noite seguiu...
Conversamos e vivemos sem morte. Visitamos novos lugares. Senti sentimentos únicos. Tudo era novo e deixava saudade daquilo não olhado, daquilo não sentido, daquilo não conversado. Saudade do novo. Saudade de novo. Mas a manhã chegou. Os gatos foram embora para se reencontrarem numa outra vida. Foi então que acordei ao meio-dia e fiquei a outra metade do dia triste. Minha mãe continua morta.
“Sonho parece verdade quando a gente esquece de acordar... e o dia parece metade quando a gente acorda e se esquece de levantar”. E o mundo é perfeito?
Quem me dera viver meus sonhos e escolher qual realidade sonhar...

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Sobre insetos interiores



Lembro como se fosse anteontem quando desejei ser cego. Eu queria ver o mundo. Ainda gosto das formas, odeio as fôrmas, aprecio as cores, prefiro o preto-e-branco. Ainda assim, queria ver o mundo. E queria ficar cego. Talvez porque o inconsciente me disse que quando se perde um sentido se aprimoram os demais. Pensei em escutar novas canções. Seria tão bom ouvir música no barulho e melodia no silêncio. Senti-me com olfato apurado. Aluguei cheiro de morangos com kiwi. E como estavam gostosos o sabor, o toque, o cheiro, o som, permiti que a vida se tornasse um pouco mais atraente.

Entrou o primeiro. Ele me olhava meio de ladinho. Coração sorrateiro. “Ele está concentrado, nem me olhará”. Deu uma volta. Duas. Três. Roubou minha paz. Cansou. Parou. Enxergou uma luz no fim do túnel. Morreu.

O segundo era um pouco mais forte, audacioso, vivaz. Nem se preocupou em me encarar. Retirou o que tinha de mais belo e me afrontou. Ouvi. Ele me afrontou dizendo que eu não era livre. Então resolvi deixá-lo fazendo companhia a mim. Coloquei-o dentro do livro. Quase que dois corpos no mesmo lugar no mesmo instante.

E veio o terceiro. Sorriu e conquistou o meu olhar. Pensou em me alugar para ser feliz. Para sonhar. Senti raiva. Jamais, eu disse jamais, alguém me deu um tapa tão doloroso no rosto. Para aqueles que me conhecem, sim, já me bateram na cara. Uma mulher. Um soco. Uma mulher e um soco? Sim, uma mulher e um soco! Mas não doeu tanto assim... Agora esse machucou. Deixou-me no meio de três sonhos. E agora, qual realidade devo sonhar? Ainda teria que pagar o aluguel da felicidade. Foi quando, então, decidi não ser alugado nunca mais. Ele veio até minha cama. Deitou-se. Olhou-me. Contou-me qualquer loucura na esperança de salvar-lhe a vida. Regurgitou seu passado com um sorriso amarelo do presente. Sabia que ia morrer. Eu o mataria de qualquer forma, sem a tal fôrma. Resolvi poupar-lhe a liberdade. Dei um beijo de boa noite, apertei-o fortemente contra o peito e o joguei para o alto de fora da janela. Ele voou. Para baixo.

Não veio o quarto. Fiquei sozinho. Eu e o quarto. O cômodo do término do namoro. Do choro, do desespero. Não me foi deixada uma memória corporal. Doeu na alma talvez porque minha tristeza havia chegado depois de uma aparente felicidade. Mas, quer saber, ainda é tempo de morangos com kiwi.

Anteontem desejei ser cego. Insetos voadores no quarto em noite quente me invejam. É o confronto da liberdade com meus olhos nos livros, desprovidos de asas para voar. Enxergar-me nos olhos de alguém machuca bastante.