sexta-feira, 3 de abril de 2009

Beijo de despedida



Há uns tantos meses estava dando uns beijos de despedidas em uma guria. Até o momento fora um relacionamento de um mês e meio, aproximadamente. Seguiriam três meses de férias. Eu tão ao centro-oeste, e ela tão ao sul. Ela parou o carro em um lugar seguro e me negou beijos. Tudo porque paguei a conta de um lanche e não queria receber sua parte. Sou homem à moda antiga, gosto de pagar as contas para uma garota, quando eu a convido para sair. Mas ela me negava beijos. Somente se eu recebesse a quantia, voltaria a me beijar.

Eu tentava por tudo encostar-me naqueles lábios. Foi uma brincadeira bem legal, típica de dois apaixonados. Afinal, seriam três meses distantes um do outro. Era a despedida. E ela me negando beijo? Não fazia sentido, né?! Mas fazia sim, adiar a concretização de uma atitude faz o desejo crescer e o finalmente ser tão excitante.

E eu a forçava em todos os jeitos e ela continuava fazendo tipo. Num momento, eu estava bem junto a ela, olhando pelo vidro de seu carro a rua. Surge-me a imagem de uma senhora de uns 40 anos. Rosto bastante disforme de tantas lágrimas e sofrimentos. Falava algumas palavras, bem baixinho. O vidro fechado ensurdecia ainda mais sua voz. Mas não escondia as lágrimas.

Ela contou toda uma estória ou história que, na primeira vez, não ouvi nada. Abaixei o vidro e pedi para que recomeçasse com um simples “o que?”. Sabe quando a gente escuta uma história pela segunda vez tendo a impressão de que pediu para repetir só para certificar de que havia ouvido certo? Assim fiz. Mas não tinha ouvido uma palavra sequer realmente. Entretanto, sentia como se as lágrimas da mulher tivessem me dito tudo aquilo.

-“Moço, desculpa atrapalhar o namoro de vocês. Você num pode me ajudar com algumas moedas pra comprar leite pro meu filho não? Eu levei ele no médico e ele disse que meu filho é alérgico a lactose. Eu não tenho dinheiro pra comprar o leite porque é muito caro. Me dá uma ajuda. Você pode ir ali na farmácia comigo pra ver eu comprando. Eu não to mentindo, moço. Meu filho ta passando fome. Me ajuda, pelo amor de Deus!

Geralmente não ajudo quem termina uma frase com “pelo amor de Deus”. Não é porque sou católico e não gosto de ver o santo nome ser dito em vão, mas é porque me soa tão falso. Acho que é a válvula de escape do mentiroso, apelar para o sentimentalismo e para a religiosidade da pessoa. Porém, aquelas lágrimas me pareceram tão verdadeiras. Não havia sentido nada parecido antes, mas algo me disse, naquela noite, que aquela mulher fora enviada por Deus. Ela falava uma “lactose” sem ao menos saber o significado. Apenas repetia mecanicamente o que o médico lhe dissera.

Sem questionar, pedi emprestado à guria o dinheiro que lhe havia negado receber – como se fosse dela, como de fato era, pois jamais o aceitaria – e entreguei à mulher com sua verdade. Ela esperava moedas, e recebeu uma nota alta para quem pedira tão pouco.

-“Moço, não vai fazer falta pro senhor? Tem certeza? Muito obrigado, de coração. Que Deus esteja com vocês sempre”.

Já ajudei outras pessoas, mas nunca ouvi os agradecimentos. Talvez porque sabia que estava cumprindo meu papel de cristão, mas duvidava da verdade dos outros. Naquela noite, ouvi tão bem os agradecimentos. Foram sinceros. Não e nem nunca me arrependerei, mesmo se a mulher se embriagou com o dinheiro. Fiquei tão leve que me lembrei que o meu futuro é ajudar o próximo.

Senti-me tão humano a ponto de poder beijar a guria novamente.

Um comentário:

  1. Começou chato (pro meu gosto), mas do meio pra frente, com a entrada contrastante e inesperada da mulher chorando, ficou muito poético. Parabéns por tratar de um assunto já tão batido de forma original.

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