sexta-feira, 3 de abril de 2009

A morte dos bebês curicacas



Resolvi escrever esta estória porque um amigo a acha muito legal e fica imaginando a cena todas as vezes que eu conto. Devia ter uns 5 ou 6 anos quando cometi o crime. A porta de metal da minha casa avistava um enorme lote com mato alto escondendo tantas pedras. Eu estava na idade em que escutava meu pai dizendo ao meu irmão mais velho que ele era o homem da casa, em sua ausência. Queria ser homem também, mais que meu irmão. Sei que meu processo fálico não era maior que o dele, por isso tentava superá-lo nos feitos.

Fiz uma aposta com minha irmã. Pegaria um ovinho de curicaca e mostraria a ela. Assim, ela poderia ser testemunha ao meu irmão, que não se encontrava no momento. Ela, por sua vez, prometera não contar nada à mamãe.

Desço as escadas, avisto o mato mais alto que eu. Vejo curicacas voando em minha direção. Dizia mamãe que elas põem as garras em nossa cabeça, e de tanto nos levantar, arrancam-nos os cabelos. Meu cabelo nunca foi bom, mas não queria perdê-lo. Senti, pela primeira vez que eu me lembre, a Reação de Cannon. Fugir ou lutar? Lutar! O gosto da fuga não construiria o riso sarcástico do meu irmão.

A agilidade dos meus anos de criança me proporcionou a conquista de dois ovinhos. Volto correndo para as escadas. Subo-as. Minha irmã me esperava ao topo, como prêmio dado a um gladiador. O meu sorriso de satisfação combinava com o dela de “que-vontade-de-contar-para-mamãe”. Mas ela contaria ao meu irmão. E eu podia ver a vontade intimista dele em gorar a minha conquista. Certamente ele torceria para eu ficar careca.

A alegria foi tão grande que não me contive em palavras e demonstrações dos ovinhos nas mãos. Minha mãe e seu sexto sentido vieram até mim e minha irmã.

-“O que você tem nas mãos”?

-“Nada, mamãe – escondendo o fim do meu irmão em minhas mãos e minhas mãos nas costas. Não sei, mas criança acha que se colocar um presente em uma caixa e a caixa em uma caixa maior, e assim por diante, o presente é mais legal. A surpresa é maior. Portanto, escondi os ovinhos duas vezes. Mamãe jamais adivinharia o que eu tinha ali.

-“Espero não ser ovos de curicacas. Elas vêm atrás de quem os pega a noite”.

Os olhos imensos de medo da minha irmã me lembraram olhos de choro de desenho japonês. Medo de me pegarem a noite. Os meus não posso descrever, mas não estavam tão diferentes, eu acho.

Homem que é homem arca com as conseqüências. E assim o fiz. Avisei à minha irmã de que devolveria os ovinhos. Assim, as curicacas não viriam atrás de mim. Caso não voltasse, ela saberia o motivo do meu desaparecimento repentino.

Desço as escadas. Sinto medo. Chego perto do ninho, sorrateiramente. As avezinhas permanecem intactas até eu terminar de pensar que estavam imóveis. Voam de repente em minha direção. Um rasante, dois rasantes. Medo. Medo. Medo. Choro... Desespero. Taco os ovinhos em direção ao ninho, rolando-os pelo chão. Mas o mato era tão alto que não percebi que havia uma “pedra no meio do caminho”. E os ovinhos se partiram.

Reação de Cannon novamente. Mas desta vez eu corri. E passei noites correndo acordado, com medo de as aves virem me pegar. Acho que até hoje estão em luto.

Um comentário:

  1. Quem imaginar bem a cena, algo fácil de se fazer diante de um texto tão bem descrito, verá o quanto esse dia foi fantástico.

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