sexta-feira, 3 de abril de 2009

A mendicância de papai



-“Ai, meu dedo! Abre a porta, rápido. Tá apertando” – disse-me mamãe.

Quando chegamos ao estacionamento da pecuária da cidade, fechei a porta com tamanha voracidade que não percebi um de seus dedos ali, amassado. Papai gritou comigo, como se eu fosse surdo ou estúpido. Um desses adjetivos eu não era. Sei disso.

E tantas bolas gigantes coloridas, balões, brinquedos de madeira e metal e colares com desenhos que brilhavam no escuro. Assim era a pecuária para um menino que fora criado na cidade. Tinha algumas vacas, alguns nelores, algumas galinhas e alguns porcos, porém nunca tive curiosidade para esses tipos de bichos. Tinha show sertanejo também, mas meu ódio pelo sertanejo remete ao chocalho e ao móbile do berço. Para disfarçar, andava uma ida e uma vinda dentro de cada galpão com esses ridículos e nojentos animais. Ouvia uma música para me certificar num futuro de que eu continuaria detestando tal estilo musical. E ia direto pro parquinho.

Andava uma vez. Duas. Três. O enjôo jamais me atingira nos tempos de criança. E, em pelo menos nisso, eu combinava com meus irmãos. Íamos todos na roda-tão-tão-gigante e em outros divertidos brinquedos. O que meu irmão mais gostava era o carrinho de batida. Nessa época, já recebia aulas de direção do meu avô, reforçando o meu atraso intelectual em relação a ele. Mas o dinheiro para os ingressos uma hora acaba.

Era uma cabana de palha improvisada. Pilares de madeira grossa sustentavam o local. Sempre uma dupla sertaneja animava o lugar com músicas cornas dançantes. Aquele monte de bêbados e suas cadeiras. O que me irritava é que sempre havia mais bêbados do que cadeiras, povoando o local e afirmando a perpetuação daquele tipo de diversão adulto. Papai e mamãe estavam em uma das arestas daquele quadrilátero tonto. Não entramos, demos a volta e paramos ao seu lado.

-Vamos aproveitar que o papai ta bêbado, que ele nos dá dinheiro. Sempre quando tá bêbado ele não nega. Ele fica mais bonzinho.

-Pai, me dá dinheiro pra andar nos brinquedos?

-Vocês já andaram – respondeu ríspido e grosso.

“Ele ainda não está tonto” preencheu os pensamentos dos três irmãos. Depois de algumas voltas pelos galpões para afirmar ainda mais nosso falso interesse rural de nascidos no interior, voltamos ao local dos adultos.

-Pai, me dá dinheiro pra andar nos brinquedos?

Ele não respondeu. Nunca respondeu. Tirou uma nota de cinqüenta reais do bolso estampando três sorrisos de uma só vez. Meu pai nunca havia feito feliz três pessoas ao mesmo tempo. E não fez.

Aquela noite um mendigo que estava na hora certa e no local certo comeu muito. Foi quando percebi que alegria e tristeza não são como água e óleo. Elas coexistem.

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