quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Sobre insetos interiores
Lembro como se fosse anteontem quando desejei ser cego. Eu queria ver o mundo. Ainda gosto das formas, odeio as fôrmas, aprecio as cores, prefiro o preto-e-branco. Ainda assim, queria ver o mundo. E queria ficar cego. Talvez porque o inconsciente me disse que quando se perde um sentido se aprimoram os demais. Pensei em escutar novas canções. Seria tão bom ouvir música no barulho e melodia no silêncio. Senti-me com olfato apurado. Aluguei cheiro de morangos com kiwi. E como estavam gostosos o sabor, o toque, o cheiro, o som, permiti que a vida se tornasse um pouco mais atraente.
Entrou o primeiro. Ele me olhava meio de ladinho. Coração sorrateiro. “Ele está concentrado, nem me olhará”. Deu uma volta. Duas. Três. Roubou minha paz. Cansou. Parou. Enxergou uma luz no fim do túnel. Morreu.
O segundo era um pouco mais forte, audacioso, vivaz. Nem se preocupou em me encarar. Retirou o que tinha de mais belo e me afrontou. Ouvi. Ele me afrontou dizendo que eu não era livre. Então resolvi deixá-lo fazendo companhia a mim. Coloquei-o dentro do livro. Quase que dois corpos no mesmo lugar no mesmo instante.
E veio o terceiro. Sorriu e conquistou o meu olhar. Pensou em me alugar para ser feliz. Para sonhar. Senti raiva. Jamais, eu disse jamais, alguém me deu um tapa tão doloroso no rosto. Para aqueles que me conhecem, sim, já me bateram na cara. Uma mulher. Um soco. Uma mulher e um soco? Sim, uma mulher e um soco! Mas não doeu tanto assim... Agora esse machucou. Deixou-me no meio de três sonhos. E agora, qual realidade devo sonhar? Ainda teria que pagar o aluguel da felicidade. Foi quando, então, decidi não ser alugado nunca mais. Ele veio até minha cama. Deitou-se. Olhou-me. Contou-me qualquer loucura na esperança de salvar-lhe a vida. Regurgitou seu passado com um sorriso amarelo do presente. Sabia que ia morrer. Eu o mataria de qualquer forma, sem a tal fôrma. Resolvi poupar-lhe a liberdade. Dei um beijo de boa noite, apertei-o fortemente contra o peito e o joguei para o alto de fora da janela. Ele voou. Para baixo.
Não veio o quarto. Fiquei sozinho. Eu e o quarto. O cômodo do término do namoro. Do choro, do desespero. Não me foi deixada uma memória corporal. Doeu na alma talvez porque minha tristeza havia chegado depois de uma aparente felicidade. Mas, quer saber, ainda é tempo de morangos com kiwi.
Anteontem desejei ser cego. Insetos voadores no quarto em noite quente me invejam. É o confronto da liberdade com meus olhos nos livros, desprovidos de asas para voar. Enxergar-me nos olhos de alguém machuca bastante.
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as 'CRônicas' do Túlio QUASE vieram d Nárnia... mAIS PAREc POESIA do tipo "meu-mundo-q-ninGUEM-PRECISA-ENTender-DIREITO"... nos ultimos 12 MESES, entendi Q toda menSAGEM dev ser DIRETA e simples. AINDA q cada historinha seja carregada e densA, cheia de sequencIAS e muitAS pessoas e coisas a serem desCRITAS. Na verdade seria mais fácil se fazer entender por imagens, de preferência em preto-e-branco - porque são mais dramáticas, e o contraste eh sempre o melhor JEITO DE Se comunicar, no mesmo sentido da EXPRESSão "preto no branco".
ResponderExcluirO FILME AVATAR me MOSTrou outro ponto de vista, outro sentido de se fazer entender por imagens, formas e eleMENTOS ORGânicos, contrastantes em CORES, na verdades em TODAS as cores possíveis - neons, azuis, verdes, negros, chocks e, a propósito, quase nenhum branco.. Curioso, não?! COnexões sinápticas entre plantas, VEGETais com mais NEurônios do que humanos, transferÊNcia de mentes feita por uma árVORe... ENFim. O fato eh que TUDO eh um mundo a parte, um filme a parte, que se faz entender pelo contraste das cores, e não pela ausÊncia delas.
Eu juro que GOSTARIA de entender as letras brancas das 'crÔnicas do Túlio' apenas pelo CONTRASte do fundo PRETO, mas acho q, nesse caso, isso soh vai ACONTECER quando ele escolher mais palavras coloridas do que imagens em preto-e-branco. Talvez assim, as sinapses dos leitores do blog se tornem mais interligadas, ainda que virtualmente.
As pessoas que querem ser entendidas e escrevem pra vender (que seja a literatura ou o ego) o fazem através de palavras simples. Eu escrevo como hobby... enfim, vc captou a mensagem... é meu mundo que ninguem precisa entender.. hahaha... Quem não sabe escrever pra vender, escreve um monte de palavras bonitas pra tocar... vez ou outra encontra alguém como vc que percebe isso. Parabéns.
ResponderExcluirOBS: aos poucos vc entenderá. Quem quer, consegue.
OBS 2: eu odiei Avatar.
Túlio, esse texto representa bem uma coisa sua, que é de subitamente transportar a gente para uma ideia totalmente diferente da inicial e de repente voltar para a ideia inicial. Além disso, gosto muito de algumas outras ideias que você coloca como quem não quer nada no meio da história. Com algumas delas pode ser que não concordem, mas outras são verdades universais (o quarto ser o cômodo do término do namoro, por exemplo).
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