sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O mal da memória não compartimentalizada



Foi quando minha ingenuidade acreditava na possibilidade de transformar pedaços de vidro em diamante. E um amigo me disse que o faria por mim. E moía, e moía e moía. E a linha que serviria de molde pra riqueza sempre achava minha pipa. Em cidade que venta, ela não pára no fio elétrico mais próximo. Ela sobe, sobe sem parar. E some, devagar. Eu ficava ali, sentado na palavra pa-ra-le-le-pí-pe-do tão mal pronunciada na idade. E olhava pra cima, e a gravidade me puxava pra baixo. Porém eu não queria perder um detalhe da cena. Eu não sabia o que era a dor, mas a sentia. Era muita atração pela pipa que sumia ou pela dor que surgia. Ou pelas duas. Ela me disse: “Viva em mim”. Eu falei: “Não, a vida me asfixia”. Tudo era poesia num fundo em Si bemol de um Frittz Dobbert, que insistia no seu som rouco traçado pelos cupins. Pianos sempre me fascinam e intimidam, talvez por ser uma das duas coisas que nunca soube fazer direito na vida. Uma das duas coisas em que pouco persisti. Que menos ainda acreditaram em mim. O aniversário de 13 anos quando pedi a papai uma chance pra me ouvir. E ele prometeu. E eu me acorrentei. Daí o que me resta, hoje, é apenas minha memória auditiva que vasculha os cantos de uma massa cerebral acometida pelo viés do tempo. Só choro, sem lágrima alguma. Nada mais que partituras antigas. Naquele guarda-roupa futuro, em seu mais baixo lugar possível. Aquele que abrigará meus sapatos que insistirão em pisotear os seus. Ou subindo, quando minha gravata enlaçará a alça direita daquele seu vestido. Lembra-se daquele que o pano debaixo subia no meu desejo, deixando suas coxas seduzirem meu pensamento? O próprio que me afetava de fato na descida da Goiás após um domingo de culto. Ele tinha meus olhos, e assim me cegou numa via de mão única que terminava na minha casa. Uma reta, um pensamento longe, uma perda. Fiquei perdido naquele pensamento que dizia: Há uma curva à esquerda. Mas não havia. Quando se é criança, subia sem parar. Na adolescência comprovei que tudo que sobe, desce. Temo pelo futuro, pois dizem que simplesmente não sobe. O pano debaixo do vestido. A pipa. Nada sobe. Pelo menos saberei falar paralelepípedo sem gaguejar. E também sei que cerol não é diamante. Se a vida me asfixiou, a morte está me tirando o fôlego. O que dá no mesmo.